terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A arte de envelhecer


O passar dos anos pode trazer perdas e limitações, mas também prazeres inesperados e uma sensação de liberdade enorme. Saiba como lidar com isso e, assim, aproveitar a vida em qualquer idade.


Eleonor Camargo vai se casar no próximo domingo e há quatro semanas parte de sua atenção está voltada para o vestido de noiva (musseline de seda champanhe?), o buquê (rosas vermelhas?) e as músicas (Canon, de Pachelbel, no final da cerimônia?). Já seu noivo está às voltas com o aluguel de mesas e cadeiras para o jardim.

Foi nesse período feliz, mas tenso, que um dia Eleonor se olhou no espelho e pensou que o seu rosto não seria assim para sempre. Pensou no seuenvelhecimento e como seria viver junto com o seu companheiro quando fossem velhinhos. Refletiu... Eles gostavam da presença um do outro, da energia que trocavam no toque, das conversas que tinham. A noiva lembrou-se do que escreveu o psicanalista e educador Rubem Alves: "case-se com alguém com quem goste de conversar." Portanto, com o tempo, o que era essencial nesse relacionamento não iria se alterar.

Não, Eleonor não é uma jovem noiva. Ela tem 57 anos, e o noivo, Antonio, 63. Estão realizados, inteiros, e evidentemente felizes. Mais uma vez na vida, apostaram na felicidade, mas agora sem muitas expectativas.
Viram? Há vida depois dos 60, 70, 80...

Eleonor e Antonio souberam compensar o seu envelhecer com entusiasmo, esperança, sensibilidade, criatividade. Fiquei surpresa com a quantidade de boas qualidades que eles conseguiram colocar no lugar das benesses de ser belo e jovem. Por isso, começo esse artigo com esse casamento, uma cerimônia feliz que a gente associa apenas à juventude e à beleza. Vê-los maduros e plenos de contentamento é uma ode à vida, e ao envelhecer com sabedoria. Eles mostram como é possível aceitar o envelhecimento, inevitável, com consciência, serenidade e alegria. Os dois descobriram muitos presentes escondidos na maturidade, que certamente só chegam depois do enfrentamento de limites, sofrimentos e obstáculos. Envelhecer pode ser um pouco mais difícil para o corpo, é verdade, mas para a alma pode fazer um bem incrível. O casal é a prova disso.


Enfrentando a crise

A antropóloga carioca Mirian Goldenberg começou o seu livro A Bela Velhice (Record) com o mesmo desafio que enfrento agora: mostrar que a harmonia, a alegria e o bem-estar podem estar presentes com muita intensidade no processo do envelhecimento. Numa sociedade que estimula o contrário disso, e que dá valor apenas ao que é jovem e belo, esse pode ser um desafio e tanto. "Quero compreender se há algum caminho para chegar à última fase da vida de uma maneira mais digna, plena e mais feliz. Meu objetivo é descobrir os passos necessários para construir minha própria bela velhice", diz ela. Para isso, assegura Mirian, é preciso dar sentido maior e mais profundo para a vida. Casar, ter filhos e conquistar sucesso na carreira deixam de ter tanta importância. Ser jovem e bonito também. Começa a acontecer um processo de dar um novo significado para a existência.

O psiquiatra austríaco Victor Frankel, em seus mais de 30 livros, ajuda na compreensão desse processo. Ele dizia que o desejo de dar um novo significado para a vida pode começar com uma sensação difusa de um "vazio existencial" - um sentimento de inutilidade e falta de sentido da própria vida. Podemos dizer que esse é o começo da crise do envelhecimento. A verdade é que o sucesso em várias áreas da vida é muito difícil, e que muitas vezes o que a sociedade diz que nos traria mais felicidade não traz.

Também podemos perceber que o não cumprimento das metas impostas pela sociedade pode gerar uma sensação de fracasso. Escreveu Frankel: "Não procurem mais o sucesso. Quanto mais você o procurar e o transformar em um alvo, mais vai errar". Que alívio, não precisamos mais "ter de" nada. Podemos ser mais livres, autênticos, procurar o que realmente gostamos de fazer, o que dá tesão na vida. E uma das qualidades para se sentir feliz, de acordo com ele, é sentir-se livre do que é imposto, do que nos ensinaram que traria felicidade, mas que nunca trouxe. 
Que maravilha.

E qual seria o primeiro passo para sentir isso? Diante da crise, não a torne pesada demais. Ao analisar o comportamento dos sobreviventes dos campos de concentração nazistas, por exemplo, Frankel descobriu que os que estavam em melhores condições físicas e psicológicas eram justamente aqueles que tinham mais bom humor e leveza - e que isso era perfeitamente possível até em situações insuportáveis e adversas como aquela. Portanto, aceitar o envelhecer com certa dose de humor é muito sábio, e faz muito bem para a alma.


Envelhecendo, eu?

Se você olha no espelho e vê a sua imagem, certamente não afirma que seja a de um velho. É possível até que, com uma certa sorte genética e cuidados básicos, você possa aparentar dez ou 15 anos a menos. Sorte sua.

Mas não dá para se enganar. A curva da sua estrutura biológica cai inevitavelmente depois de atingir seu ápice aos 25 anos, e o seu corpo começa sua lenta volta para a terra. A boa-nova é que, cada vez mais, o envelhecer deixa de ser traduzido por decrepitude, fragilidade e doença. As pessoas estão se cuidando mais e mais cedo, os recursos para compensar o processo natural do envelhecimento se multiplicaram por mil, e os exemplos de gente mais velha e ativa aumentaram com uma velocidade espantosa. "É um erro acreditar que velhice seja um sinônimo de doença. A maior parte das pessoas na faixa dos 60 anos ou até 70 está bem", diz a designer e empresária Deana Guimarães, criadora de um portal que oferece uma gama de produtos para a terceira idade. Ela mesma, já com 60, é um exemplo disso. "A gente sabe que o contorno do rosto não é o mesmo, e que a energia não mais se assemelha à dos 20 anos", reconhece. "Mas não me sinto 'idosa' em nenhum grupo de que participo, e nem sou tratada assim. Sei que estou envelhecendo, mas não me sinto velha", conta.

E vamos ser sinceros: o processo do envelhecimento não começa nem aos 40 e nem aos 50. Com 20 anos, você vai à balada, dorme quatro horas e aguenta superbem o pique no dia seguinte. Já na faixa dos 30, a história é outra. Com 40, então, nem pensar. Três dias de alta madrugada contínuos já são suficientes para matar. Quem é velho, então? Os chineses fazem uma classificação interessante da velhice: os jovens velhos ficam numa faixa bem elástica, dos 45 anos, aproximadamente, até aos 80. A partir disso são considerados velhos maduros.

E o comportamento nessa faixa muito elástica de jovens velhos muda com rapidez. Os homens e mulheres maduros de hoje não têm as mesmas reações e atitudes dos jovens velhos de 30 anos atrás, por exemplo. Deana Guimarães afirma, por exemplo, que a solidão não é mais a principal queixa dos idosos que frequentam seu site. "Eles estão procurando grupos de pessoas com os mesmos interesses, se socializando. Também procuram se cuidar mais, se prevenir, e ter uma melhor qualidade no último trecho da vida", diz ela. E existe uma crescente demanda para que se abram cada vez mais grupos de apoio e organizações especializadas nos interesses de quem tem mais de 60, faixa que já responde por 15% do povo brasileiro.


A pressão social

Se você tem mais de 30, biologicamente já começou seu processo deenvelhecimento. "E quem te diz primeiro que você envelheceu são as pessoas, não é o espelho. Primeiro começam a te chamar de 'senhora', depois de 'tia'... Até que, um dia, te cedem o lugar no ônibus", diz a administradora de empresas Maria Costa Fernandes.

Isto é, o envelhecer é também um fenômeno social, e não apenas algo que acontece no seu mundo interno. "Se você pudesse envelhecer sozinha e em paz, sem ninguém te apontar a ruga ou o sobrepeso, seria mais fácil. Mas não é assim", diz Maria Costa. Em outras palavras, as pessoas podem se dar conta disso antes de você. "A saída é aceitar, perceber que algo mudou, mas que nem por isso o mundo acabou", diz ela.

Segundo a antropóloga Mirian Goldenberg, as reações perante o envelhecer podem mudar de acordo com o meio social e também segundo a cultura de um país. No livro Coroas: Corpo, Envelhecimento, Casamento e Infidelidade (Record), ela toca num ponto importante desse processo. Por meio de dezenas de entrevistas, ela notou, por exemplo, que as alemãs estavam menos obcecadas com sua estética corporal do que as brasileiras. Envelheciam mais tranquilamente, sem querer cancelar sua idade, embora namorassem ou tivessem um companheiro.

Em resumo: lutamos desesperadamente para não envelhecer, pois se admira com muita intensidade a ideia de perfeição de um corpo jovem e bonito. "Por isso tenho investido em revelar aspectos positivos e belos da velhice, sem deixar de discutir os aspectos negativos", diz a antropóloga. E uma das coisas que nos libertará da corrida frenética rumo ao rejuvenescimento a qualquer custo é nos lembrar que somos mais do que um corpo.

Na abertura do livro Memórias de um Envelhescente (Regência), escrito pela médica Judith Nogueira, o geriatra Franklin Santana Santos, que assina a apresentação da obra, revela o outro lado da história. "Envelhecer é uma experiência psíquica e espiritual profunda de enriquecimento da personalidade, do espírito", escreve. "Ser velho é estar na vanguarda do processo evolutivo, pensando aqui do ponto de vista material estritamente darwiniano, ou em uma perspectiva mais transcendental, na qual ser velho é o crème de la crème". Já a autora Judith Nogueira reflete sobre o processo de envelhecer, e aproveita a expressão envelhescente para definir quem atravessa essa fase com características hormonais e psicológicas próprias, tal como a adolescência. "Aos 40 anos não somos totalmente velhos, mas caminhamos para tal. Assim como a adolescência é o vestibular para a idade adulta, os 40 anos o são para a velhice; como se representassem a admissão para a segunda metade da vida", diz a médica.

Então, que tal fazer um meio termo disso tudo? Nem obcecado demais com oenvelhecimento do corpo e com o desejo de estar sempre jovem, nem relaxado e displicente demais com o próprio envelhecimento. Em quase tudo, o caminho do meio dá certo.

Numa palestra para o TED, o médico cirurgião cardíaco (e celebridade) Mehmet Oz dá cinco pontos básicos que ajudam a conservar a saúde física durante o envelhecer: monitoração da pressão arterial, controle do estresse (mediante meditação, ioga ou tai-chi, por exemplo), corte de cigarro e toxinas, 30 minutos de exercícios diários e uma dieta saudável que seja também gostosa. Não é nada tão difícil assim e, segundo ele, esses poucos itens são capazes de manter uma vida saudável por muitos e muito anos.
Entre quatro paredes

Uma peça célebre, Huis Clos, ou Entre Quatro Paredes, escrita pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre, traz a discussão de um grupo de personagens sobre os limites e obstáculos da vida num cenário claustrofóbico. Aos poucos, percebe-se que eles estão mortos e no inferno.

Se o envelhecer for centrado na preocupação com o corpo e com as exigências individualistas do ego, as paredes irão se fechar e se estreitar cada vez mais, pois as perdas e limites serão bem mais evidentes. O envelhecimentose transformará num inferno. Mas essa não é, claro, a única alternativa. O envelhecer implica uma troca de códigos, valores, referências e metas. É preciso se reinventar completamente, substituir e compensar. Se a ênfase foi colocada na direção do autoconhecimento e da doação, seguindo os passos do espírito, as paredes automaticamente se abrirão, trazendo mais paz interior, amor e oxigênio para sua existência. O envelhecer poderá se tornar, dessa maneira, um delicioso paraíso.

O psicanalista suíço Carl Gustav Jung dizia que durante metade da vida você se volta para fora, para o ter (uma carreira, um casamento, uma família, um negócio, uma casa...). E que, na outra metade, o processo começa a se inverter: você se volta para o ser, para o universo interior, para a espiritualidade. É a fase ideal para compartilhar o que aprendeu na sua existência com quem é mais jovem. Porém, para que isso de fato aconteça, é necessário soltar-se e se divertir com as possibilidades que a vida lhe apresenta. Exatamente como faria uma criança.

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